Sobre a peça de teatro "Sexo sim, obrigado"

A verdadeira natureza teatral define-se por simplesmente se ser visível, a estrutura dinâmica da percepção aos conceitos que brutalmente se imiscuem entre o artifício do merdiático e se avultam na incognoscibilidade, as basilares existências onde a simples ofegância se extrapola de humanização activa. A multiplicidade artística ramifica subjectividades de interioridades e o fútil colapsa à pulsão genuína do ser. Como quase sempre não se poderá dizer, está vivo.

A estreia de "Sexo sim, obrigado" foi uma tal pulsão, uma sucessão de pontos de vista, ver efectivamente, a essência humana com todas as suas relações e falhas de mesmas, comédia de arte italiana transmutada à língua portuguesa, reformulada à circunstância, moldável pela contínua metamorfose de interioridades, contextos sociais, circunstâncias, o efectivo teatro do quotidiano, a acérrima preocupação com as pulsões do agora. O afluente de Dário Fo e Franca Rame feito foz.

Duas actrizes ramificaram o intenso leque de personificações, desmultiplicaram-se, metamorfosearam biomecânicas às ramificações personificadas, mascaradas, uma cascata das personagens embutidas da importância urgente da temática sexual, do conhecimento basilar ao hedonismo do corpo, da mente, do espírito, da permanente necessidade de descorrelacionar as ideologias do físico, de reciclar os receios em prazer devidamente percepcionado, conhecedor dos mínimos meandros da superfície de uma temática recorrentemente relegada para a sombra da hipocrisia, desinformada pelos organismos de distracção maciça. O sexo tratado com a importância que deve ter será um grito de revolta contra a estupidificação recorrente?

Luzes, som, e a acção já decorre nas mudanças de vestuário, a desconstrução do aparato da indumentária evidencia-se nas maquilhagens postas em cena, no diálogo iniciador do contexto entre trocas de calças, camisas, e o formato de arena intimiza o acto teatral, a relação do palco com a assistência dinamiza e a fronteira muralhada da teatralidade de corte implode, e isto é teatro, e o continuará a ser. Degusta-se a simplicidade textual das abordagens, o minimalismo envolvente faz resplandecer a ambiência acolhedora extrapolada pela musicalidade relaxada e genial de Vinicio Capossela, e a coisa será essencialmente isso mesmo.

Os fragmentos textuais desenrolam-se naturalmente, metamorfoseiam-se pelas dicções, pelo gesto, pela liberdade de movimentos díspares, pelas humorizações apinhadas de banalidades feitas importâncias existenciais O riso arma-se sorrateiramente entre a pulsão terapêutica, a interacção com a assistência despoleta a diferenciação entre a passividade absoluta do espectador e a sua integração no acto, na temática universal do assunto feito oculto, problemático, enublado. As problemáticas expõem-se na clarividência, os prazeres do conhecimento avultam a vontade de melhorias significativas, o entulho merdiático limpa-se a cada momento, deixando a beleza do humano emanar-se no que é a sua natureza, desmascarada. O despreconceito.

O fluxo de imagéticas cómicas e esclarecedoras destrói as fronteiras da ignorância, da estupidificação, da não-sexualidade vangloriada de artificialidades obscenas. A pedagogia simples clama pela educação sexual, a real, a honesta, a producente, a bela, a desmontadora de dogmas esverdeados de putrefacção. Uma sinfonia de teatro popular que se altiva à montanha evoíssima. Evoé! Evoé! Evoé!

Também os montes de merda se colapsam à pulsão da verdade. A Antiga Grécia rompe as banalidades, enaltece as bacantes e afoga a teatralidade das cortes das futilidades. O amorfo não se sente, limpa-se. A belíssima encenação de Fátima Vale eleva o texto ao aqui e agora, ao metamorfismo maravilhoso, à pormenorização da gestualidade, da navegação em palco, da pronuncia, da elevação do teatro àquilo que realmente é. As excelentes prestações de Fabiana Silva e Ana Almeida despontam a brilhante fórmula dos autores italianos onde a totalidade das coisas pode e deve ser posta em palco.

O revivalismo da commedia dell'arte em toda a sua miscelânea de correntes e multidisciplinaridades escorre-se frondosamente de sumo. Doce e temperado ao riso natural da simplicidade das coisas. A pedagogia de algo tão sexualmente completo desliza para óbvias ramificações à educação sexual, completude, prazer, arte, rompimento de dogmas putrefactos, a verdadeira educação sexual cuja raridade nos faz perceber da sua pequenez em desenvoltura física, emocional e espiritual na individualidade humana. No desenvolvimento do ser. E porque, como não poderia deixar de ser, sexo sim, obrigado.


Bruno Resende (Escritor)

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