O deficit constante e crescente do Serviço Nacional de Saúde (SNS), vai obrigar à manutenção de uma política de racionalização de custos, já encetada pelo ex-ministro Correia de Campos, que consiste, basicamente, naredução de oferta de serviços de Saúde, sofrendo, em primeira linha, apopulação “das periferias do país”.
Esta é a convicção de Daniel Serrão, médico e professor, que nesta segunda-feira veio a Bragança, a convite da CESPU (Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário), para falar de “Cuidados de Saúde: Interioridade e Justiça no Acesso”, a primeira de um Ciclo de Conferências que a CESPU está a organizar. O caminho, diz, passa pelos privados, “a quem deve ser o Estado a pagar os serviços e não as pessoas directamente”, que acabam por estar onde falha o Estado, prestando cuidados de Saúde com critérios de maior exigência e, boa parte das vezes, a custos para o Estado mais reduzidos do que aqueles que são praticados pelas próprias estruturas estatais.
Na área dos Cuidados Continuados o Governo já chamou para a prestação desses serviços as Misericórdias, que outrora já tiveram um papel fundamental na criação de Hospitais pelo país. Noutras áreas “também na curativa” o Governo devia contratar esses serviços aos privados, defendendo Daniel Serrão que, o que não pode acontecer é o que já acontece, o Estado retirar ou encerrar serviços, onde os rácios não justifiquem a sua manutenção.
O médico conhece em profundidade o sistema de saúde Português, fruto da sua experiência como profissional mas também porque, no primeiro Governo de António Guterres, foi um dos responsáveis pela realização de um estudo que resultou numa proposta de reforma estrutural do SNS. O documento, intitulado “Recomendações para uma reforma estrutural”, que pode ser consultado na página Web do autor (www.danielserrao.com), nunca passou do papel. Daniel Serrão argumenta existir um princípio consagrado na Constituição que define o acesso universal, geral e gratuito, aos cuidados de saúde a toda a população, “mas essa lei não diz que o Estado tem de ser o prestador desses cuidados”, aclara. Essa tentativa de “monopólio” na Saúde por parte do Estado abriu caminho à “ineficiência” e contribui para a insustentabilidade do sistema. “Nós não temos um Ministério da Saúde, que devia estar preocupado com a prevenção e a educação, temos um Ministério da Doença”, ironiza. Uma ineficiência que cria uma falta de confiança no sistema, sendo o Estado o primeiro a não confiar. “Como se entende que o Estado não confie os cuidados de saúde dos seus funcionários aos serviços públicos, os funcionários públicos vão ao privado”, aponta. E com tudo isto o “buraco” do sistema de Saúde é tendencialmente maior, perfeitamente insustentável.
O médico defende que a população que pode, “os ricos”, devia pagar, pelo menos em parte, os serviços de que beneficia, o que não admite é que alguém sem recursos fique sem os necessários cuidados. “Os ricos não vão ao SNS, têm seguros de Saúde, vão ao privado”, comentou.
Por fim, Daniel Serrão explicou que a insustentabilidade do sistema resulta também das exigências crescentes dos utentes que “reclamam os seus direitos e querem todos os exames e mais alguns”, e dos próprios médicos, que cada vez mais praticam uma medicina defensiva e acabam por pedir muitos exames complementares de diagnóstico. “Há 200 casos de queixas por ano por erro médico”, explica, justificando assim a crescente preocupação dos clínicos em despistar qualquer tipo de complicação. As tecnologias, cada vez mais avançadas, tornam igualmente os exames cada vez mais caros, e tudo isto, junto, resulta num grave problema para um SNS falido, sem grande possibilidade de recuperação.