Opinião NN: Os milhões de Bagão

Consultando hoje, através da INTERNET, a entrevista que António Bagão Félix concedeu a um canal televisivo, em pleno Terreiro do Paço, sobre os sete milhões de portugueses que viverão na dependência do Estado, não consegui evitar o ter-me encostado ao espaldar da cadeira onde estava sentado, tal era o malabarismo da explicação. No final do presente texto, como estou certo, o meu caro leitor não deixará de concordar com a análise muito simples que vai agora ler.

Em essência, embora ainda por defeito, António Bagão Félix referiu naquelas suas palavras os seguintes grupos de portugueses: funcionários públicos, reformados, aposentados, usufrutuários do Rendimento Social de Inserção, usufrutuários de pensões diversas, vistas aqui num sentido lato, desempregados, e outros que, não recebendo nada diretamente, usufruem de verbas concedidas pelo Estado a terceiros.

O raciocínio, claro está, constitui uma falácia, e por razões diversas e muito simples de mostrar.

Em primeiro lugar, se se seguir o falacioso raciocínio de António Bagão Félix, o número de portugueses que dependem do Estado é ainda maior, porque ele não referiu as verbas que o Estado dá, por exemplo, para custear os transportes dos cidadãos, dos hospitais, das fundações, dos clubes e de outras instituições, nem mesmo as concedidas a cidadãos que não são portugueses, como acontece com todo o apoio concedido aos novos Estados de língua oficial portuguesa.

E, em segundo lugar, ele até tem razão quando refere que o meio cidadão por cada um dos que serviram de base ao seu cálculo é um valor por defeito, porventura, grande defeito, porque não andará longe se considerar setenta e cinco por cento de cidadão, um mesmo um cidadão inteiro.

A uma primeira vista, esta falácia de António Bagão Félix leva quem o ouve a pensar que Portugal está mal pelo que ele mesmo ali debitou, o que não corresponde minimamente à realidade.

Se o leitor pensar um pouco, até mesmo muito pouco, por rápido perceberá que por todo o Mundo civilizado e moderno existem aquelas categorias de cidadãos referidos pelo antigo ministro. Em certos casos a percentagem de determinados grupos no todo humano nacional será maior, noutros menor.

Quer isto dizer que não há, por cá como por todo o lado onde reine a dignidade humana, quem não dependa do Estado. Basta lembrar, por exemplo, os bancos e as empresas seguradoras, a quem o Estado, à custa do nosso dinheiro futuro, concedeu dezenas de milhares de milhões. De resto, até assim foi, e continua a ser, nos Estados Unidos!

A verdadeira realidade, por cá como pelo Haiti, da Indonésia ao Japão, é que o Estado é o grande seguro da comunidade organizada. De resto, é por isso mesmo que existe e continuará sempre a existir. Sem ele, depois de um período inicial de anarquia sorridente, surgiria de novo o Estado, mas já então assente na mais inimaginável ditadura. Ao seu pé, o comunismo seria uma experiência brincalhona.

O Estado é isso mesmo, a comunidade organizada, que apoia o que sem si nunca poderia subsistir. Ou seja, serve para assegurar os serviços essenciais à comunidade, como um todo, para evitar que os mais velhos morram de fome, ou se vejam obrigados a optar pela eutanásia, que os doentes possam ser tratados e salvos, que os que nada conseguiram na vida possam não cair na rua, ou optar por fazer coisas muito piores, e também para distribuir o que se dá aos casais pelos mais novos, que ainda se não viram caídos no desemprego.

No momento em que António Bagão Félix proferiu aqueles palavras, quase com toda a certeza, ainda não tinha conhecimento de apelo do Cardeal Patriarca de Lisboa para que o Estado ajude a preservar o património religioso que é o nosso. E de onde virá esse apoio? Dos católicos praticantes é que não vem, nem aliás chegaria, porque o seu número é hoje muito reduzido, para lá de pouco ou nada darem a quem realmente precisa, como se pode ver à saciedade ao redor da cada um de nós. Portanto, lá terá de vir do Estado.

Ou seja, meu caro leitor, pense um pouco, e veja em que domínios o antigo ministro decidiria cortar a despesa corrente primária, que é o mesmo que dizer poupar no Orçamento de Estado. Pense um pouquinho e decida na altura própria, mas responda já a esta questão: vê algum dos
nossos barões da política propor o abaixamento de vencimentos dos funcionários públicos? Porque se assim fosse, o que se daria com os dos mais bem pagos e poderosos? Era uma porra, não era? Ora, pois claro que era! Se era!!

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