Também eu recebi com estupefacção a notícia do encerramento de mais duas centenárias linhas ferroviárias que durante anos e anos rasgaram a barreira do isolamento a que muitas das nossas aldeias estavam sujeitas.
Os ramais ferroviários do Tâmega, do Corgo e do Tua são os últimos vestígios de um país que a dada altura se preocupou com os povos indígenas que ocupavam um espaço territorial delimitado por montanhas gigantescas onde chegar era muito mais difícil do que ir buscar pimenta à Índia.
Esse milenar isolamento só em parte começou a ser quebrado pelo programa do governo do visionário Fontes Pereira de Melo, ministro da Regeneração, altura em que foi criado o primeiro Ministério das Obras Públicas no país. É nesse período que na região, e particularmente na zona do Douro Transmontano, são lançadas importantes obras de construção viária para, ao que parece, ser dinamiza a economia do vinho, do vinho fino do Douro, que já nesse tempo se constituía como um dos principais produtos das exportações portuguesas.
A segunda metade do séc. XIX é sem dúvida uma época em que a macrocefalia da capital oferece qualquer coisa de novo e revolucionário a este interior de indígenas pasmados perante a monumental ronceirice da tecnologia do vapor que chega ao vale do Tua em 1884. E na década inicial do pretérito século já às montanhas do Tâmega, do Corgo, do Tua e do Sabor tinham chegado catadupas de homens para rasgar estreitos carreiros com o afinco e a labuta de laboriosas formigas.
E quando a Monarquia caiu e a República se impôs como uma jovem e bela figura feminina a exibir desnudos, carnudos e abundantes seios, já o comboio silvava em Trás-os-Montes entre o vale, a montanha e o planalto.
Nos alvores do séc. XX Trás-os-Montes era efectivamente uma região aberta ao mundo, encontrando-se equipada, e bem, com infra-estruturas que lhe permitiam a comunicação com o exterior. Entrava-se na região através da Linha do Douro e depois seguia-se para Chaves, para Bragança ou para Miranda do Douro através dos ramais ferroviários do Corgo, do Tua e do Sabor.
Quem estuda História, não descarta a hipótese de que esta região poderá nessa altura ter acreditado num novo mundo, numa nova vida. Mas não. Nada aconteceu de verdadeiramente novo aqui. Se houve esperança, ela depressa se desvaneceu e os homens da terra vergaram novamente os rostos ao solo à procura dos parcos grãos de centeio para encherem a barriga dos filhos que miravam seus pais de olhos esfaimados e espantadiços.
Depois foi o que se sabe, mas na escuridão das trevas o silvo do comboio rompia diariamente o estertor de um silêncio imposto pela férrea vontade de um ditador, dos seus lacaios e dos insuportáveis correligionários de que ainda hoje há semente em preocupante germinação.
Contudo, durante quase todo o séc. XX o comboio foi para todo Trás-os-Montes um elo imprescindível e fundamental que operava a ligação com o exterior, escoava mercadorias e permitia os fluxos de pessoas, bens, ideias e de algumas conspirações. Nessa altura Trás-os-Montes era uma terra com homens e com mulheres que amanhavam o campo ao ritmo do sol e criavam catadupas de filhos que desde muito cedo aprendiam o verdadeiro significado do valor do pão.
E os meninos de olhos espantadiços tornavam-se lentamente jovens ao ritmo de um comboio ronceiro, e depois do comboio passar olhavam em seu redor o silêncio enquanto pensavam e pensavam. Nas tardes de chuva invernal escarafunchavam entre as brasas da lareira da casa paterna os seus sonhos luzidios, gizando com a tenaz os projectos de um futuro diferente. E depois da tropa à procura dos seus sonhos iam embarcados nesse mesmo comboio que só parava junto ao mar. Uma vez apeados por lá ficavam a povoarem as fábricas e os estaleiros onde haviam de mais tarde construir o seu grito de revolta.
Os ramais ferroviários do Tâmega, do Corgo e do Tua são os últimos vestígios de um país que a dada altura se preocupou com os povos indígenas que ocupavam um espaço territorial delimitado por montanhas gigantescas onde chegar era muito mais difícil do que ir buscar pimenta à Índia.
Esse milenar isolamento só em parte começou a ser quebrado pelo programa do governo do visionário Fontes Pereira de Melo, ministro da Regeneração, altura em que foi criado o primeiro Ministério das Obras Públicas no país. É nesse período que na região, e particularmente na zona do Douro Transmontano, são lançadas importantes obras de construção viária para, ao que parece, ser dinamiza a economia do vinho, do vinho fino do Douro, que já nesse tempo se constituía como um dos principais produtos das exportações portuguesas.
A segunda metade do séc. XIX é sem dúvida uma época em que a macrocefalia da capital oferece qualquer coisa de novo e revolucionário a este interior de indígenas pasmados perante a monumental ronceirice da tecnologia do vapor que chega ao vale do Tua em 1884. E na década inicial do pretérito século já às montanhas do Tâmega, do Corgo, do Tua e do Sabor tinham chegado catadupas de homens para rasgar estreitos carreiros com o afinco e a labuta de laboriosas formigas.
E quando a Monarquia caiu e a República se impôs como uma jovem e bela figura feminina a exibir desnudos, carnudos e abundantes seios, já o comboio silvava em Trás-os-Montes entre o vale, a montanha e o planalto.
Nos alvores do séc. XX Trás-os-Montes era efectivamente uma região aberta ao mundo, encontrando-se equipada, e bem, com infra-estruturas que lhe permitiam a comunicação com o exterior. Entrava-se na região através da Linha do Douro e depois seguia-se para Chaves, para Bragança ou para Miranda do Douro através dos ramais ferroviários do Corgo, do Tua e do Sabor.
Quem estuda História, não descarta a hipótese de que esta região poderá nessa altura ter acreditado num novo mundo, numa nova vida. Mas não. Nada aconteceu de verdadeiramente novo aqui. Se houve esperança, ela depressa se desvaneceu e os homens da terra vergaram novamente os rostos ao solo à procura dos parcos grãos de centeio para encherem a barriga dos filhos que miravam seus pais de olhos esfaimados e espantadiços.
Depois foi o que se sabe, mas na escuridão das trevas o silvo do comboio rompia diariamente o estertor de um silêncio imposto pela férrea vontade de um ditador, dos seus lacaios e dos insuportáveis correligionários de que ainda hoje há semente em preocupante germinação.
Contudo, durante quase todo o séc. XX o comboio foi para todo Trás-os-Montes um elo imprescindível e fundamental que operava a ligação com o exterior, escoava mercadorias e permitia os fluxos de pessoas, bens, ideias e de algumas conspirações. Nessa altura Trás-os-Montes era uma terra com homens e com mulheres que amanhavam o campo ao ritmo do sol e criavam catadupas de filhos que desde muito cedo aprendiam o verdadeiro significado do valor do pão.
E os meninos de olhos espantadiços tornavam-se lentamente jovens ao ritmo de um comboio ronceiro, e depois do comboio passar olhavam em seu redor o silêncio enquanto pensavam e pensavam. Nas tardes de chuva invernal escarafunchavam entre as brasas da lareira da casa paterna os seus sonhos luzidios, gizando com a tenaz os projectos de um futuro diferente. E depois da tropa à procura dos seus sonhos iam embarcados nesse mesmo comboio que só parava junto ao mar. Uma vez apeados por lá ficavam a povoarem as fábricas e os estaleiros onde haviam de mais tarde construir o seu grito de revolta.
O comboio ritmou indelevelmente os ciclos conjunturais da História transmontana de todo o séc. XX e se outros motivos não houvessem eu fundamentaria nessa História o principal argumento para defender os ramais de linha estreita do Tâmega, do Corgo e do Tua.
Mas há muitos mais e variados motivos para pugnar pela continuidade destas linhas e, - porque não ?-, para exigir a reabertura da do Sabor. Não vou falar sobre as vantagens para a região da continuidade e manutenção destas vias-férreas, mas será sobretudo no turismo e na utilização racional das fontes de energia que nós iremos encontrar as suas principais vantagens.
Numa altura em que o caminho-de-ferro começa a ser revigorado na maioria dos outros países europeus, criando-se, exactamente, um intricado de ramificações de linhas estreitas a cobrir de forma homogénea as diferentes regiões, eis que Portugal, mais uma vez, ruma em contra-ciclo.
Se fizermos um pequeno feed-back no tempo facilmente percebemos que a destruição não começou há muitos anos e coincidiu com um pico de políticas neoliberais em que Cavaco Silva foi o grande obreiro e protagonista. Foi ele que encerrou a Linha do Sabor e encerrou troços significativos das linhas do Tua e do Corgo!
É bom que alimentemos a memória para percebermos algumas debilidades de posições actuais e sobretudo a responsabilidade histórica de actos devastadores de muitos daqueles que nos governaram ou continuam a governar. Portanto, se o actual Governo decidir encerrar estes troços ferroviários, à semelhança do que Cavaco Silva fez nos anos noventa do séc. XX, juro com sinceridade que não me admiro, ou não estivéssemos nós a atravessar mais uma dessas fases em que os números, as percentagens e os ratios mediatistas contam mais do que as pessoas.
Tenho para mim que José Sócrates e Cavaco Silva comungam da mesma fé neoliberal e como tal não aceitam que investimentos públicos não atinjam os níveis de rendibilidade dos investimentos privados, mesmo que sirvam as pessoas e toda uma região em avançado processo de desertificação humana.
Se encerrarem estas três vias, facto que ainda não está verdadeiramente deliberado, amputarão, com toda a certeza, mais um pedaço de todos nós. Por isso, este é um motivo mais do que suficiente para nos manifestarmos, para gritar a injustiça, para agir, para não deixar, para reivindicar e sobretudo para resistir.
Se fizermos um pequeno feed-back no tempo facilmente percebemos que a destruição não começou há muitos anos e coincidiu com um pico de políticas neoliberais em que Cavaco Silva foi o grande obreiro e protagonista. Foi ele que encerrou a Linha do Sabor e encerrou troços significativos das linhas do Tua e do Corgo!
É bom que alimentemos a memória para percebermos algumas debilidades de posições actuais e sobretudo a responsabilidade histórica de actos devastadores de muitos daqueles que nos governaram ou continuam a governar. Portanto, se o actual Governo decidir encerrar estes troços ferroviários, à semelhança do que Cavaco Silva fez nos anos noventa do séc. XX, juro com sinceridade que não me admiro, ou não estivéssemos nós a atravessar mais uma dessas fases em que os números, as percentagens e os ratios mediatistas contam mais do que as pessoas.
Tenho para mim que José Sócrates e Cavaco Silva comungam da mesma fé neoliberal e como tal não aceitam que investimentos públicos não atinjam os níveis de rendibilidade dos investimentos privados, mesmo que sirvam as pessoas e toda uma região em avançado processo de desertificação humana.
Se encerrarem estas três vias, facto que ainda não está verdadeiramente deliberado, amputarão, com toda a certeza, mais um pedaço de todos nós. Por isso, este é um motivo mais do que suficiente para nos manifestarmos, para gritar a injustiça, para agir, para não deixar, para reivindicar e sobretudo para resistir.